quarta-feira, 17 de junho de 2015

TRANSUMANISMO


No mito de Ícaro, da Mitologia grega, Dédalo confecciona dois pares de asas - um para si e outro para Ícaro, seu filho - feitas de penas e cera para que possam fugir do labirinto onde foram aprisionados. Ícaro fora advertido por seu pai para não voar tão rente ao sol, pois o calor derreteria a cera, nem tão rente ao mar, pois a umidade deixaria as asas mais pesadas levando-o a cair no mar. O filho, no entanto, possivelmente inebriado pelas novas potencialidades fornecidas pelo seu novo aparato se aproximou demais do sol ocasionando o derretimento da cera e sua queda no mar. Analogamente, este mito tem muito a nos dizer a respeito dos novos paradigmas advindos da relação do homem no mundo com o advento da tecnologia, que evolui de forma cada vez mais rápida. Será que o homem está acompanhando este processo?
Em 1924, o filosofo inglês Bertrand Russell publicou o ensaio Ícaroou o futuro da ciência 1 em que analisava as consequências da Ciência de seu tempo realizando projeções para o futuro. Nele se lê "Ícaro, que aprendeu a voar com seu pai Dédalo, foi destruído pela sua imprudência"2. Com o aumento crescente de suas potencialidades técnicas, o homem se vê, mais do que nunca, tendo de se confrontar com extensos dilemas morais sobre a aplicação dessas potencialidades. As consequências desta aplicação podem ser desde a extinção da humanidade - cenário provável caso não seja feito um uso cuidadoso de novas tecnologias e dos recursos naturais - até um estado de existência extremamente mais feliz, humano e intenso que o atual. Contudo, o impacto da concepção científica de mundo sobre o homem tem se mostrado inelutável e, relativamente ao futuro, as mudanças até o presente momento têm sido pequenas.


Um transhumanista, no fundo, é todo aquele que tenta melhorar a sua vida e a sociedade em vez de rezar. É claro que existem outras ideologias e sistemas filosóficos com raízes ateístas que partilham esta visão. O que distingue os transhumanistas é a ideia que a evolução individual e da humanidade como um todo se vai basear na tecnologia. O objectivo dos transhumanistas é um auto-aperfeiçoamento e uma evolução da espécie humana através de uma utilização racional das tecnologias que a Ciência nos oferece. O que os transhumanistas têm em comum é o desejo de evolução colectiva ou individual através de meios tecnológicos em direcções desconhecidas e até temidas por muitas pessoas. Um processo de utilização racional, sensata e inteligente da tecnologia para proveito próprio.
Imagine o que é deixar de envelhecer! Imagine o que é ter o dobro da inteligência e memória! Imagine o que é viver num mundo que não seja constantemente devastado por doenças ou guerras! Imagine colonizar e conquistar outros planetas! Desengane-se quem pensa que estes objetivos são inatingíveis no futuro. E quando eu refiro "futuro", eu refiro-me a um "futuro" que muitos de nós vamos viver. Os transhumanistas procuram compreender estas e outras tecnologias e a melhor forma de as utilizar; os transhumanistas tentam antecipar e compreender as grandes revoluções tecnológicas das próximas décadas de forma a permitir uma utilização racional das mesmas que leve ao progresso da espécie humana.
Não é possível prever se uma tecnologia vai ser útil ou destruidora. Mas assim que se desenvolve determinada tecnologia, esta não pode ser esquecida ou apagada. Ao contrário de ambientalistas e teólogos, os transhumanistas, na sua maioria filósofos, cientistas, ou investidores ligados à nova economia, pensam que compreender os avanços tecnológicos é melhor do que tentar destrui-los; quanto mais não seja porque a última opção é praticamente impossível num mundo dividido em dezenas de estados independentes, incluindo alguns claramente hostis ao Ocidente.
O transhumanismo começa com uma melhoria individual que, consequentemente, leva a uma melhoria da Humanidade como um todo. Algumas pessoas poderão querer apenas deixar de envelhecer enquanto que outras pretendem também aumentar a sua inteligência. A liberdade individual é um dos poucos princípios éticos em que os transhumanistas concordam. Se houver pessoas que não querem usufruir das tecnologias, ninguém as pode contrariar. Os transhumanistas pretendem-se libertar das correntes que limitam o ser humano mas não pretendem obrigar ninguém a esse progresso. Existe inclusive uma divisão do transhumanismo chamada extropianismo que defende princípios de economia e política ultra-liberal — sob a forma de uma ordem espontânea — na qual se defende que a humanidade evolui melhor sem um planeamento central ou ordens constantes. Esta filosofia transhumanista tem bastantes seguidores, principalmente nos EUA — diga-se a título pessoal que eu não concordo com o princípio de ordem espontânea apesar de ser um enorme defensor da liberdade individual.

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